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I C A ...D O
...M Ê S
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A
menina da casa em frente |
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José
Índio Alves
.............................................................................São.Leopoldo/RS
..........................................(Narrativas
de Natal. Ed. Oikos, 2007.
...............Orgs.:
Ernani Mügge e Juracy Assmann Saraiva,
p. 67)
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Nas
últimas três semanas daquele novembro,
ela não fora à escola. Meus amigos
comentavam sobre uma doença estranha.
Disseram apenas que a pobrezinha da minha vizinha,
moradora da casa em frente, poderia até
morrer. Como assim morrer? Aos dez anos de idade?
Meu coração de menino apaixonado
sofria. Afinal, em pleno despertar do romantismo
de meus onze anos, soubera que minha namorada
poderia morrer. É bem verdade que ela
não sabia que era a minha namorada. Mas
eu sabia, e isso importava.
Em minha casa, os adultos mantinham um silêncio
amedrontador. Não se falava nada sobre
a menina. O que se ouvia das conversas dos outros
vizinhos em nada ajudava. Eram só expressões
vagas: “A febre baixou”, “Hoje
comeu uma sopinha”. Um dia, ouvi meu pai
segredando à minha mãe:
– É paralisia infantil. Se viver,
vai ficar paralítica ou deformada.
Deformada? Aquela deusa de pele alva? Não,
Deus não permitiria isso. Aquele rostinho
claro, aqueles olhinhos amendoados verde-mel,
os cabelos loiros brincando de rolar em abundantes
cachos. Não, deformada não.
Várias vezes, tentei falar com minha
mãe sobre o assunto. Habilmente ela se
esquivava. Procurei a professora de religião.
Irmã Tereza, pacientemente, explicou-me
como a doença agia, as possíveis
seqüelas e as esperanças de recuperação.
Sugeriu que eu poderia ajudar, rezando diariamente.
O santinho com a oração de santa
Rita de Cássia passou a dormir e a acordar
comigo.
– Fé, meu filho. Fé e oração.
Faltavam seis dias para o Natal. Eu estava na
janela da sala, o olhar fixo no vidro fechado
da janela da casa exatamente em frente à
nossa. Concentrei minha atenção
para, mesmo do outro lado da rua, tentar perceber
algum movimento. Então eu a vi. Uma silhueta
magra e muito diferente da garota exuberante
que eu conhecia. Mas era ela. Os vidros fechados
e a cortina de crochê a cobrir boa parte
da visão não me impediram de perceber
um sorriso. Acho até que ela abanou.
Santa Rita ouvira minhas preces. Rezaria em
dobro nos cinco dias que faltavam para o Natal.
Vinte e quatro de dezembro. Os sinos da Matriz
esparramavam sobre a cidade seus sons mais solenes.
As pessoas, carregadas de pacotes, andavam excitadas
de um lado para outro da rua do Comércio.
Eu, como sempre, com o olhar fixo na casa do
outro lado da rua. Levei um susto quando a janela
foi aberta. Apenas a linda cabecinha apareceu
acima do peitoril. Com esforço, a menina
espichou-se o que pôde na cadeira de rodas
para mostrar-se radiante, linda. Em meio a um
doce sorriso, gritou a plenos pulmões:
– Feliz Natal, amigo!
– Feliz Natal, – mal pude sussurrar
em resposta. A janela já se fechara.
Minha mãe chamava para a ceia. Tomei
um gole de champanhe pela primeira vez. Afinal,
tinha o que comemorar.
Soube, uma semana mais tarde, que a família
da casa em frente se mudara para Porto Alegre.
Seria melhor para a saúde da jovem, diziam.
Gostaria
que a doce namorada dos meus onze anos soubesse,
esteja onde estiver, ter sido aquele, um dos
mais lindos natais de minha vida.
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