Provérbios
populares são muito antigos e bastante
comuns. Os encontramos em diferentes lugares.
Escritos em caminhões, bares e armazéns.
Em revistas e calendários. Até
em peças de artesanato.
Os provérbios, como muitas outras coisas
da vida do povo, também encontraram espaço
na Bíblia.
Provérbios são uma forma didática
de comunicar sabedoria, adquirida com as experiências
do cotidiano. São essência de ensinamento
que surge da própria vida. Provérbios
são formas concentradas de experiências.
Em muitas famílias, alguns provérbios
são passados ou repetidos de geração
em geração. Particularmente, sempre
gostei de ler e ouvir provérbios ou ditos
populares. Tenho muitos registrados.
Um deles escuto há muitos anos. Minha
tataravó já o repetia para minha
avó. Minha avó o repetia para
minha mãe e minhas tias. Elas, por sua
vez, repetiam o dito provérbio para as
suas filhas. Não sei a razão,
mas o guardei na minha memória como mensagem
das ancestrais, passada de geração
em geração, de mulher para mulher.
“A mulher é a chave da casa”.
Este provérbio, para mim, sempre foi
motivo de muita imaginação. Quando
menina ficava pensando como seria o buraco da
fechadura em que a mulher serviria de chave.
Ficava imaginando uma mulher alta, magra, com
cabelos compridos ser chave da casa... Ou uma
mulher muito gorda... Ou uma mulher já
de bastante idade, corcunda pelo peso da vida.
Às vezes ficava imaginando como deveria
ser esta mulher, chave da casa. Ou como seria
uma casa sem essa tal “chave”. Seria
uma casa fechada, vazia?
Com o passar do tempo fui descobrindo e valorizando
a sabedoria e a simbologia contida neste provérbio
popular. Cresci com essa imagem na cabeça.
Mulher, chave e casa. Mas, que casa? Uma casa
onde criamos filhos e filhas; uma casa, espaço
de relações familiares, vizinhas
e amigas; uma casa, espaço de aconchego,
descanso e acolhida. Uma casa onde encontramos
colo, consolo e cura. Uma casa com portas largas
e abertas, que acolhe o peregrino, a viúva,
o órfão. Uma casa que acolhe diferentes
culturas, costumes, crenças e religiões.
Meu conceito de casa e de mulher foi se ampliando
e modificando. Então fui construindo
uma nova imagem para esse provérbio.
De forma especial, quando compreendi a dimensão
mais ampla da palavra “casa”. A
casa como “cosmos”, isto é,
mundo, coisa bonita, o que não é
imundo, nosso planeta compreendido e aceito
como casa comum de toda a humanidade.
“Casa” como oikos, palavra usada
na linguagem grega, lugar da convivência
e da proximidade, como o seio, geradora de novas
relações. “Casa”,
lugar de gerar, tomar nos braços e ensinar
cada novo passo.
Imagine a mulher como chave para abrir a porta
e fazer descobrir o mistério da natureza
e da sociedade em todas as suas dimensões:
a ecologia (a lógica da casa), a economia
(a lei que governa a casa), o ecumenismo (a
casa como lugar onde todas as pessoas têm
direito de permanecer).
A mulher como chave para reestruturar a economia
planetária, para que reine harmonia,
segurança, paz e felicidade, onde cada
pessoa possa viver uma vida plena e digna.
Assim me dei conta de quanto é amplo,
pedagógico, ecumênico e ecológico
este antigo provérbio!
Na Bíblia, no Livro dos Provérbios
31,10-30, encontramos um lindo poema, que exalta
mulheres como “chave da casa”. Em
forma de poema, reveste de “saber ser”
(poder) e “saber fazer” (experiência)
mulheres chave da casa.
E como poema, o texto descreve mulheres em diferentes
funções. Por um lado, descreve
mulheres generosas, fraternas, dignas, confiantes,
inteligentes, corajosas... Por outro lado, nos
fala de mulheres que trabalham com as mãos,
com os braços, com os dedos. De mulheres
que cuidam da economia da “Casa”,
entendem de negócios, de investimentos
e de aplicações financeiras. Mulheres
que fabricam tecidos, tecem mantas e cinturões
e fornecem mercadorias. Compram terras e plantam
vinha. Se vestem de força, coragem e
dignidade. Mulheres que sorriem para a vida
e têm esperança no futuro. Mulheres
que sonham, realizam e celebram. Mulheres que
tecem a teia da vida gotejada de poder e de
saber.
Na arte da Bíblia e na arte da Vida mulheres
são chave da casa que abre a porta da
grande casa comum para que nossos sonhos e utopias
possam tornar-se realidade. Mulheres como chave
que abre a porta para reinventar a ciência,
a filosofia, a teologia, a medicina... Mulheres,
chave que abre a porta para ver a face humana
de Deus. Para ver a face humana da Deusa contida
em Deus, para a vivência de uma espiritualidade
orante e comprometida, integradora e ativa.
As mulheres como chave da Casa, que abre a porta
da solidariedade que multiplica o pão,
o saber e a ternura. Mulheres como chave para
abrir a porta da ciência que permite ensaiar
uma medicina mais humana para todos os filhos
e todas as filhas de Deus.
Mulheres como chave:
- para abrir a casa
do pão e da água,
da moradia e da saúde,
da economia e da ternura,
da igualdade e dos direitos,
do ser e do saber,
da vida plena e digna,
do abraço e da solidariedade,
da felicidade e da paz.
Mulheres, chave da casa!
Mulheres, na Bíblia como na Vida, chave
da vida, primeira casa onde cada qual de nós
achou seu primeiro abrigo: mulher, chave e casa.