Pentecostes
Não
era por acaso que tantos judeus provenientes
de tantas e tão diferentes regiões
do mundo conhecido estivessem em Jerusalém,
naquele dia. Isso acontecia todos os anos e
há muito tempo.
Iam para lá, como peregrinos, cumprir
com uma de suas obrigações religiosas:
fazer-se presente em uma das três festas
mais importantes previstas na Lei, neste caso,
a Festa das Semanas.
Festa das Semanas, em hebraico, Shavuot, significa
literalmente “os sábados”.
Ocorria sempre sete sábados após
a celebração da Páscoa.
Daí, Festa das Semanas, uma semana de
sábados.
Uma festa estava relacionada com a outra. A
primeira, a Páscoa, era uma junção
de uma tradição pastoril e de
outra, agrária. Pastores a celebravam
com a imolação de um cordeiro,
servido como refeição familiar.
Agricultores o faziam com pães ázimos,
pães sem fermento, de farinha nova, não
misturada com a levedura guardada da massa anterior.
Para esses agricultores, tratava-se de uma celebração
pelos primeiros grãos de cereal colhidos
na nova safra, que recém começava.
A colheita se estendia por sete semanas, quarenta
e nove dias, ao final dos quais se acrescentava
mais um para festejar a colheita, agora terminada.
Era Shavuot, a festa da fartura, celebrada no
quinquagésimo dia. Em grego, dizia-se
Pentecostés, o “quinquagésimo”.
Ao longo daqueles quarenta e nove dias, também
os pobres – a viúva, o órfão
e o forasteiro – tinham fartura. Seguiam
após os ceifeiros, nos campos, recolhendo
espigas caídas ou que, sem querer, não
haviam sido colhidas. Tais espigas pertenciam
aos pobres. Rute, a viúva moabita, nora
da viúva Noemi, de Belém, recolheu
espigas em abundância, para alimentar
a si e a sua sogra. Foi em Shavuot, certamente,
que Rute e Boaz se encontraram, se enamoraram.
Depois, Boaz a tomou por esposa, devolvendo-lhe,
a ela e à sogra, a condição
melhor da casa do homem com direitos plenos.
Agora era novamente Shavuot, e a cidade estava
cheia de gente, vinda para a festa.
Eles também estavam lá, os onze.
Porém, sem alegria. Sentiam medo. Mais,
até. Estavam apavorados.
Haviam subido a Jerusalém, com o Mestre,
para celebrar a Páscoa. Tinham preparado
o cordeiro, tinham pães ázimos,
ervas amargas e vinho. Cearam com o Mestre,
que havia dito coisas estranhas sobre corpo
e sangue dado por eles. Então, tudo se
precipitara.
Um deles havia traído o Mestre. Trinta
moedas. Mostrara o caminho até o local
em que se escondiam à noite, no Monte
das Oliveiras. Um beijo, nada de espadas. E
o levaram.
Julgado e condenado naquela mesma noite, foi
entregue para ser açoitado. Pela manhã
o levaram até Gólgota e o crucificaram,
em meio a dois ladrões.
Morreu à tarde, antes do por do sol.
Ainda houve tempo para sepultá-lo, antes
que iniciasse o shabat, o sábado. Então
eles haviam fugido.
Agora estavam ali. Sim, sabiam que ele havia
ressuscitado. Eles haviam comprovado o que as
mulheres haviam contado. Também eles
o haviam visto, ainda com as marcas dos pregos
e da lança, mas vivo!
Mas continuavam com medo. Se os judeus os vissem
– e a cidade estava cheia –, se
os romanos os reconhecessem, teriam o mesmo
fim. A morte na cruz era terrível! Morrer
apedrejado não era menos pior! Por isso,
continuavam ali, no mesmo lugar, escondidos.
E, então, aconteceu. Não sabiam
explicar com clareza o que ocorrera. Fora como
um vento, um vento impetuoso que os empurrava
para fora daquela casa, em direção
à rua, repleta de judeus. E, como um
fogo, algo ardia, acima deles, em volta deles,
dentro deles. E não podiam calar. Precisavam
falar, falar e falar.
E falaram. De todas as maneiras, encontrando
meios de dizer aos que estavam em Jerusalém,
mesmo os que não entendiam a sua língua.
E todos os entendiam!
E falaram, falaram e falaram, de peito aberto
e sem sombra de medo: “Este Jesus que
vocês crucificaram, a este Deus fez Senhor
e Cristo!”
Era o quinquagésimo dia desde a Páscoa.
Shavuot. Pentecostés. Como vento. Como
fogo. De maneira que todos os entendessem. Senhor
e Cristo.
Só depois eles compreenderam que o que
ocorrera fora o que o Mestre havia dito. O Espírito
Santo, o Espírito de Deus, o Espírito
do Mestre, como um vento e como um fogo, os
empurrara para fora e os fizera falar! Cheios
do Espírito, haviam perdido o medo. Por
causa do Espírito, nascia a Igreja, a
comunidade daquelas pessoas que criam em Jesus
Cristo e estavam dispostas a viver o Reino de
Deus, um novo mundo possível, um mundo
de irmãos, um mundo de pessoas livres,
não mais escravas, um mundo de pessoas
que, mesmo morrendo, viveriam!
Que este Espírito nos preencha neste
Pentecostes e nos acompanhe sempre.
...................................................................Carlos
A. Dreher
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