OIKOS EDITORA
Rua Paraná 240
Caixa Postal 1081,
Bairro Scharlau
CEP 93121-970
São Leopoldo/RS
contato@oikoseditora.com.br
Fones:
(51) 8114-9642
(51) 3568-2848

Fax:
(51) 3568-7965

:

 

  E N T R E V I S T A
  Maria Salete van der Poel
Cornelis Joannes van der Poel
 

 

1) Em poucas palavras, como vocês definem o novo livro de vocês?

O leitmotiv do nosso livro está bem claro na própria capa. Nela, há a comunicação não-verbal de Maria do Socorro Pereira de Melo. Seu desenho é claramente dividido em duas partes. De um lado, temos a fazenda com carro na porta, empregado trabalhando e uma vaca pastando. Do outro lado, o casebre do pobre, de taipa, e um porquinho. Ela mesma resume: uns com tanto e outros sem nada. Para nós, representa o GRITO do povo, que atravessa toda a história do povo brasileiro até os dias de hoje, desde os índios, escravos, meninos de rua, prisioneiros e camponeses, trabalhadores da cidade e muitos outros.
Somos educadores. Não somos capazes de resolver esse problema, mas chamados a dar a contribuição educacional imprescindível para que a justiça social e os direitos humanos sejam válidos para todos os cidadãos. Assim, deve ser entendido o título do livro: Trajetória de uma militância educacional. A nossa vida de professores foi e é a procura constante para atender ao apelo, ao grito do povo.

2) Quais as principais lições do mestre Paulo Freire?

Nossa trajetória de luta iniciou-se nos anos sessenta, ouvindo, em Recife, as lições do próprio Freire e sua equipe. Sua proposta foi, sem dúvida, uma ruptura na educação brasileira, antes de Freire e depois de Freire.
Muito se tem falado e escrito a seu respeito, inclusive criticando-o, com ou sem razão. Não podemos esquecer que ele trabalhou sob a influência das idéias não bem definidas da época: a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista e do socialismo democrático cristão.
No entanto, a idéia mestra está clara: ele levantou a bandeira de uma educação conscientemente política a favor dos oprimidos: educação como prática da liberdade e uma pedagogia dos oprimidos. Conseqüentemente, tem que ser uma educação engajada, tem que ser um círculo de cultura, onde todos participam em pé de igualdade e procuram uma resposta aos problemas reais e vivenciais dos participantes.
Neste sentido, educação que segue a proposta freireana é, necessariamente, confronto. Lamentavelmente, nas práticas, que se dizem freireanas, raramente encontramos esta disposição de luta, de militância. E, em outros casos, Freire virou apenas um mito!

3) Quais os principais avanços do letramento sócio-histórico em relação à proposta de alfabetização desenvolvida por Paulo Freire?

Ao enveredar pelos caminhos da concepção do letramento sócio-histórico, seguimos os conselhos do próprio Freire que, em comparação com muitos outros, era consciente e lúcido ao ponto de alertar no livro Ação Cultural para a Libertação, 1976:17 que:

Quanto aos outros, os que põem em prática a minha prática, que se esforcem por recriá-la, repensando também meu pensamento. E ao fazê-lo, que tenham em mente que nenhuma prática educativa se dá no ar, mas num contexto, histórico, social, cultural, econômico, político, não necessariamente idêntico a outro contexto.

Nos anos oitenta, o contexto brasileiro era totalmente diferente. Saímos de uma ditadura para entrar numa outra, talvez pior, pois não dava nem sequer esperança para mudança: a ditadura do pensamento único neoliberal. Foi este novo contexto concreto, histórico, cultural, econômico e político, que nos impôs repensar e recriar o pensamento freireano. A nossa tomada de posição estava clara: teria que ser uma educação emancipatória e libertadora, capaz de contribuir para a construção de uma sociedade justa. A questão a resolver seria revelá-la no ato educativo como construção de conhecimento, já que a base teórico-científica e a concepção metodológica, bem como seus procedimentos e métodos pedagógicos, deveriam estar em função do objetivo político a alcançar.
Foi a partir dessas considerações, que enveredamos pela construção de uma educação na perspectiva sócio-histórica. Percorremos um longo caminho, mesclando sempre estudo teórico com atividade prática. Observamos que esta visão dava plenamente conta: é capaz de embasar uma educação, como construção de conhecimentos críticos em função de uma tomada de posição diante de uns com tanto e outros sem nada, o grito dos atuais excluídos.
Posteriormente, enriquecemos com os novos conhecimentos que surgiram no pensamento mundial e brasileiro, notadamente, da psicologia sociocultural da escola soviética e dos avanços na análise de textos, conforme a filosofia marxista da linguagem de Bakhtin. Foi assim, que nasceu a concepção de educação como letramento sócio-histórico.

4) O que significa em dias atuais uma ação pedagógica libertadora e emancipatória?

Com a “adoção” do capitalismo neoliberal, o contexto histórico, econômico e político mudou radicalmente em relação aos anos sessenta. Não se fala mais em oprimidos, mas em excluídos e o que é pior, joga-se a culpa neles mesmos, como disse um ex-presidente, pois são “auto-excluídos”. Com isto, a situação só piorou e continua sendo, como disse um cortador de cana: somos o bagaço da cana.
O que agrava ainda mais a situação atual, conforme Paulo Arantes, Francisco de Oliveira e Laymert Garcia dos Santos, em Folha de São Paulo de 24 de julho deste ano, é que o governo atual levou o movimento social a uma eutanásia. Conquista amplo apoio social e praticamente anula a possibilidade de oposição, mas não leva o país a lugar algum. Desta maneira, mais do que nunca, é tarefa específica da educação a libertação das pessoas humanas da opressão, da miséria material, da ignorância e fé cega (Stuurman).
Acrescenta-se ainda outro problema. Em quem confiar? O socialismo, cristianismo, democratismo e outros ismos fracassaram redondamente e têm sua bandeira, todos eles, manchada de muito sangue. A luta deve ser em torno de uma re-organização forte e agressiva do povo, tendo como bandeira, a justiça social e os direitos humanos: organização de camponeses, das mulheres, de afro-descendentes, índios, comunidades de bairro, trabalhadores, professores e assim por diante. E é aí que a educação tem um papel fundamental, não uma educação bancária ou de reprodução, mas de emancipação, que leva a enfrentar a situação de uma maneira consciente e crítica.

5) Quais os principais desafios para que o letramento seja um processo exitoso no momento em que nossa educação, como vocês mesmos dizem, está no fundo do poço?

Que a nossa educação está no fundo do poço, não fomos nós que inventamos. Praticamente toda semana, os jornais do país publicam avaliações – haja avaliação – sobre a situação deplorável, seja do ensino fundamental seja do ensino médio. Geralmente, joga-se a culpa na falta de formação do professor, embora a grande maioria seja “formada” nas nossas universidades. Pergunta-se: são formados para que, ou melhor, para quem? Numa das últimas avaliações entre professores que lemos, a culpa está no aluno. Pergunta-se: professores ou alunos são culpados ou vítimas?
Itan Pereira, professor e ex-secretário de educação em Campina Grande/PB, com quem tivemos a honra de poder trabalhar no ensino fundamental, definiu a situação assim: o nosso ensino é feijão com arroz. E disse mais: não adianta fazer um remendo aqui e acolá. Necessário se faz uma mudança radical. Para obter uma resposta a esta questão estudou, profundamente, o Sistema Paulo Freire, o método baseado em Piaget e Emília Ferreiro e a concepção de letramento na visão sócio-histórica. Optou pela última pelo fato de se dirigir diretamente à vida real e existencial do aluno e oferecer um sistema pedagógico coerente com objetivos bem definidos. Além disso, procura criar uma rede pedagógica municipal de ensino, em que todos participam, secretaria, professores, técnicos, diretores, pessoal de apoio, alunos e pais.
Não faltou entusiasmo dos dirigentes e professores. No entanto, tratava-se de um processo lento de mudança radical, como o Secretário queria, mudança radical de estrutura, de mentalidade, de atitudes e comportamentos, em suma, de toda a cultura escolar. Nas escolas, onde havia total adesão do corpo docente, os desafios foram facilmente vencidos. No fim, sempre surge um problema. Mudança do governo, novo secretário que declarou desde o início: todos os métodos são válidos e cada um por si!

6) Qual a avaliação que vocês fazem da EJA?

Restringimo-nos à EJA que se ocupa com letramento inicial, que é o nosso campo. Também, aqui, não podemos generalizar. Sabemos que muitas ONGs e Movimentos Sociais trabalham com muita seriedade. Quanto às campanhas oficiais do Governo, nelas a educação de jovens e adultos sempre foi tratada como primo pobre.
Queremos, no entanto, levantar uma questão mais séria, que recentemente nos chocou profundamente. No Correio da Paraíba de 30 de março deste ano, a reportagem de Fernando Ivo diz o seguinte: 80% dos paraibanos têm alfabetismo funcional e o número de pessoas com dificuldade de identificar ou interpretar números, preços ou horários, em um percentual de 93% no Estado... O analfabeto funcional é aquele que, mesmo sabendo ler e escrever, não possui as habilidades de leitura, escrita e cálculo necessárias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional. A Paraíba está entre os três estados nordestinos com este resultado. Quanto ao Brasil, de maneira geral, fala-se em 70% da população nesta situação.
Quanto ao Brasil Alfabetizado, o presidente Lula declarou que um total de cinco milhões de brasileiros tinham se alfabetizado. Daqui a pouco chegaremos a uma situação, no mínimo, esdrúxula: todo o povo brasileiro alfabetizado, isto é, tem o saber-decifrar sem, no entanto, o saber-ler e o mínimo de cálculo que viabilize seu desenvolvimento pessoal e profissional. Para que serve, então, este tipo de alfabetização? Faz parte, apenas, da eutanásia? É, apenas, para as estatísticas?
Está na hora de repensar toda educação de jovens e adultos em função do trabalho, a fim de que melhorem de vida. Exemplifiquemos. Todos os nossos alunos estão ligados, direta ou indiretamente, à agricultura ou pecuária, trabalhando de acordo com a tradição, de pai para filho. Sentimos muito falta de um agrônomo e veterinário para orientá-los profissionalmente. Além disso, a aprendizagem das letras e da matemática, dada concomitantemente, começa a ter pleno sentido. Para que primeiro alfabetizar, para depois... geralmente nada? A melhor aula de matemática a que assistimos foi a de um agrônomo para o pessoal do MST, explicando o projeto de plantação de inhame. Usou as quatro operações, medidas e sistema monetário. Os alunos vibravam.

7) O que levou vocês a publicar o livro pela Oikos em co-edição com a Editora Universitária da UFPB?

Editora Oikos – São Leopoldo/RS. A idéia do livro nasceu, em 2004, em Porto Alegre, no VI Fórum Nacional do ENEJA. Na assembléia final, fomos pegos de surpresa com uma homenagem em razão da nossa longa caminhada de luta em favor de uma educação emancipatória na área de Educação de Jovens e Adultos. Foi nesta ocasião que nos solicitaram para escrever e publicar nossa trajetória como contribuição na construção de uma educação em vista aos excluídos no Brasil.
Mais tarde, Erny e Iria, dirigentes da Editora Oikos em São Leopoldo, amigos e companheiros de longa data, endossaram o pedido para escrevermos a trajetória das nossas idéias. O motivo de publicá-la por esta editora, está evidente, não só pelos laços de amizade, mas por se tratar de uma editora engajada na luta por um Brasil mais digno e justo.
Do outro lado, fizemos questão da co-edição com a Editora Universitária da UFPB. Esta, para nós, nunca foi só local de trabalho, mas nossa casa. Foi nela, onde crescemos com colegas e amigos, professores, funcionários e estudantes, em conhecimento e amadurecimento, numa luta constante por um ensino de qualidade, em função do povo brasileiro e, notadamente, paraibano.

SUBIR.......................... VOLTAR................................INÍCIO

 
 
 
 

LANÇAMENTOS

  REFLEXÕES
  NOTÍCIAS
  PUBLICAÇÕES DE
OUTRAS EDITORAS
:
  Sinodal
  Nova Harmonia
   
 
   
 
   
 
Produção:
Vilson Schoenell
(51) 3588-1218 - 99559904
vschoenell@terra.com.br