1)
Em tuas obras falas que o conceito de educação
popular atualmente sofre equívocos e
desgastes. No que implica hoje a abordagem e
a prática de educação popular?
A
Educação Popular no Brasil nasceu
principalmente da concepção de
educação de Paulo Freire que entendia
Educação como conscientização,
isto é, como consciência política;
e da lutas sindicais a partir de uma leitura
marxista da economia capitalista, que resultou
numa concepção de educação
como consciência de classe. Neste cenário
a idéia de transformação
social ou de revolução tinha como
projeto político pedagógico a
construção de uma sociedade socialista
em contraposição ao capitalismo.
E todas as pessoas que tinham consciência
política e de classe eram consideradas
militantes deste projeto socialista de sociedade
humana. Educação popular eram
as práticas educativas que preparavam
estes militantes socialistas através
de uma educação para a consciência
política e consciência de classe.
Todavia,
com a queda do muro de Berlim, isto é,
com o avanço das ciências de base
e das ciências tecnológicas aconteceu
a substituição da força
de trabalho humano de produção
das mercadorias por forças tecnológicas
autômatas. O trabalho e o trabalhador
perderam força diante do capital. Os
sindicatos se esvaziaram.
Os conhecimentos das ciências de base
e tecnológicas, que são o resultado
de séculos de investimentos, principalmente
em universidades públicas, não
são passíveis de privatização
capitalista do modo como hoje se faz. Sobre
a riqueza econômica produzida com estes
conhecimentos e tecnologias pesa uma quase total
hipoteca social. Assim, por um lado, uma forma
de compreender educação popular
hoje pode começar através da construção
de uma nova concepção de trabalho
humano e de uma nova concepção
de distribuição de renda. Por
outro lado, a superação da globalização
econômica capitalista pode acontecer através
da concepção de desenvolvimento
local. Enquanto a globalização
controla e concentra o conhecimento, as tecnologias,
as biodiversidades, os mercados e assim por
diante, o desenvolvimento local é construído
através de princípios como o da
autonomia, da interdependência, da cooperação,
da endogenia e da solidariedade, por exemplo.
Assim, a base da nova concepção
de trabalho humano está calcada na idéia
de trabalho social a serviço do desenvolvimento
das comunidades locais autônomas e interdependentes.
2) O que isso significa em termos de
metodologia?
Em termos metodológicos
alguns elementos já estão postos
acima, como uma nova concepção
de trabalho humano, de distribuição
de renda, dentro de uma concepção
de trabalho social e de desenvolvimento local.
Além destes, outros aspectos podem ser
acrescentados como o trabalho em rede, as tecnologias
sociais e a pedagogia de projetos, por exemplo.
Todavia, um outro aspecto principal da educação
popular está na necessidade de construção
da concepção daquilo que se pratica.
Hoje, uma atitude revolucionária ou transformadora
não significa, em primeiro lugar, uma
ação contra o que está
posto, isto é, contra as concepções
das coisas criadas e monitoradas por procedimentos
e sistemas no âmbito dos interesses econômicos
e financeiros capitalistas globalizantes. A
atitude revolucionária ou transformadora
está na capacidade de criação
e construção das concepções
das coisas que as comunidades, os coletivos
e os povos querem e desejam para si. A preocupação
deixa de ser o embate em si, mas a capacidade
criadora de autonomia e de autodeterminação
dos coletivos, das comunidades humanas e dos
povos.
Por exemplo, na realização de
uma análise de estrutura, a concepção
de saúde que um determinado coletivo,
comunidade, município ou país
constrói não pode ser a mesma
concepção de saúde construída
por uma multinacional da saúde. São
interesses e projetos políticos completamente
distintos. Este é o sentido da construção
da concepção: tirar o destino
das sociedades humanas das mãos das empresas
multinacionais, dos interesses econômicos
e financeiros globais e passar o destino das
sociedades humanas para os próprios coletivos,
para as comunidades e para as diversas sociedades
humanas. Esta pode ser compreendida como sendo
uma nova forma de fazer política e de
praticar educação popular.
3) Publicaste um livro sobre transdisciplinaridade.
Poderias explicitar no que consiste e quais
os principais desafios?
O problema da transdisciplinaridade
consiste na superação do pensamento
racional lógico e objetivo que produz
conhecimentos que fragmentam e instrumentam
a natureza e o sujeito. A superação
consiste na construção de um conhecimento
unificado. Apenas que este conhecimento unificado
não pode acontecer fora do sujeito como
quer, em geral, a academia. Este conhecimento
unificado também não é
lógico e nem objetivo como quer a academia,
mas é um conhecimento perceptivo. O conhecimento
unificado, transdisciplinar acontece dentro
do sujeito através do desenvolvimento
da razão perceptiva; da utilização
de aspectos da ciência da complexidade,
notadamente o princípio da parte e do
todo; e da concepção quântica
de realidade.
O principal desafio está na compreensão
dos limites da razão lógica objetiva
e na necessidade de superação
da razão lógica objetiva. Na evolução
da humanidade a razão lógica objetiva
tem sido considerada o mais alto grau de expressão
desta evolução. Quando, na prática,
ela não consegue nem sequer construir
sentidos humanos. A razão lógica
objetiva foi feita apenas para trabalhar no
âmbito da materialidade empírica,
isto é, para produzir conhecimentos científicos
e tecnológicos, gerando conforto e bem
estar material para a humanidade. E isto é
tudo o que se pode esperar dela. Todavia, a
humanidade ousa inclusive pensar deus, construindo
teologias através deste instrumento epistemológico.
Isto chega a ser bisonho e é um absurdo.
Deus não pode ser pensado, mas pode ser
largamente percebido. A razão lógica
objetiva que cerca e isola o objeto para conhecê-lo
produz conhecimentos a partir do princípio
de que todas as coisas estão separadas
e desconectadas entre si e concorrem entre si.
Esta atitude epistemológica produz um
modo de conhecer que cria os entes individuais,
o ego, as disputas e concorrências. Todavia,
a razão perceptiva e a ciência
da complexidade produzem conhecimentos a partir
do princípio de que todas as coisas estão
ligadas e conectadas entre si. Esta atitude
epistemológica produz conhecimentos complexos
e unificados e cria um sujeito solidário.
São epistemologias que criam atitudes
totalmente diferentes. Aí tem origem
o problema da ética no mundo.
4) Com qual objetivo publicaste o livro
“Conexões para uma nova Civilização”?
No livro “Conexões
para uma nova Civilização”
procuro desenvolver trinta temas construídos
a partir do cotidiano. A intenção
é a de discutir estes temas a partir
de um novo paradigma civilizatório. Podem-se
relacionar alguns elementos que compõem
este novo padrão: a superação
da razão lógica objetiva através
do desenvolvimento da razão perceptiva;
a modificação da concepção
de realidade de empírica para quântica;
o desenvolvimento da ciência complexa
que contribui na criação do conhecimento
unificado; a criação de um sistema
de educação que não ensina
apenas conhecimentos científicos instrumentais,
mas que promove e conduz a pessoa a ser sábia;
a substituição da moral que conduz
as pessoas a desejarem o bem, a praticarem a
caridade e a amarem o próximo por uma
concepção de evolução
a partir do desenvolvimento original e singular
de cada pessoa e assim por diante.
5) Entre os 30 temas
desenvolvidos nesta obra qual (quais) destacarias
como mais importante(s) no atual momento histórico?
Para relacionar com os assuntos
de agora, eu destacaria o tema da liberdade.
A premissa é a de que não é
possível o livre arbítrio no âmbito
da moral. O problema existencial não
está posto no fato de alguém ser
bom ou ser mau; ou na escolha entre o bem e
o mal. O problema existencial fica posto na
questão e na pergunta: como posso evoluir?
Evoluir significa desenvolver a diferença,
isto é, aquilo que em cada pessoa é
original e singular. É neste sentido
que a pergunta e a experiência evolutiva
a partir da diferença está muito
além do problema do bem e de ser uma
pessoa boa. Alguém pode passar a vida
inteira fazendo o bem e ter pouca ou nenhuma
evolução. São coisas totalmente
distintas. Todavia, quem evolui naturalmente
é uma pessoa boa, sem esforço.
E a possibilidade de evolução
a partir da diferença supõe um
contexto livre de moral, mesmo que seja o bem.
Liberdade, nestes termos, passa a ser a construção
e exercício do livre arbítrio,
não mais a partir de uma moralidade que
o conduz para o bem, mas da evolução
a partir das diferenças.
6) Neste contexto, qual o significado
da física quântica e da ciência
da complexidade?
O significado da física
quântica está no fato de ela trazer
contribuições definitivas para
a evolução da humanidade. A primeira
contribuição está na construção
de uma concepção de realidade
quântica. A segunda contribuição
está em que a concepção
de realidade quântica exige uma outra
epistemologia. A razão lógica
objetiva trata da realidade empírica
material; e a razão perceptiva trata
da realidade quântica. A terceira contribuição
está na idéia de energia quântica
como o princípio criador da realidade
empírica. Bem, se poderia prosseguir
citando dezenas de contribuições
da física quântica.
A ciência da complexidade pode contribuir
também com muitas coisas: com o princípio
de que no ambiente natural todas as coisas estão
ligadas, relacionadas e conectadas entre si;
com o conhecimento endógeno que é
resultado da percepção da conexão
entre as coisas; o próprio desenvolvimento
da percepção; a construção
da concepção daquilo que se pratica
que tem forte potencial pedagógico em
relação à autonomia e a
evolução das pessoas e das comunidades
e assim por diante.
7) Por fim, qual a tua experiência
com a Editora Oikos na publicação
dos três últimos livros?
A
Editora Oikos consegue reunir alguns aspectos
muito interessantes como, por exemplo, preços
competitivos e bastante acessíveis (de
mercado), qualidade do trabalho e, segundo informações,
imprimindo seus livros na gráfica do
CEBI, ajuda a gerar recursos para a entidade.
Estes três aspectos fazem com que pessoalmente
eu prefira OIKOS. Além disso, outro aspecto
que gostaria de destacar diz respeito ao pessoal
que trabalha nesta Editora. Quando se está
lá parece que sempre se está em
casa. Esta é uma outra forma de dizer
que há afinidades em termos de projeto
político pedagógico de sociedade
humana.
Por fim, agradeço a oportunidade de partilhar
com vocês algumas das questões
que podem contribuir na construção
de uma nova civilização. Tenho
particularmente uma intuição de
que se a atual civilização insistir
em permanecer dentro dos atuais padrões
ela precisará ser extinta. Parece que
a única coisa que nos resta fazer é
buscar formas de evolução tanto
individual quanto coletiva e comunitária.
(Março 2007)